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STARTSE: Empreendedores negros contam como é liderar no ecossistema de startups

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Por Beatriz Bevilacqua em 20/02/2019

Você sabia que os negros movimentam no Brasil uma renda própria de R$ 1,7 trilhão por ano e representam 54% da população brasileira? Destes, 29% têm o seu próprio negócio, totalizando 14 milhões de empreendedores negros no país. Os dados foram levantados pela pesquisa A Voz e a Vez – Diversidade no Mercado de Consumo e Empreendedorismo, realizado pelo Instituto Locomotiva com apoio do Itaú.

Com o cenário de startups cada vez mais aquecido, há diversas oportunidades para quem está desenvolvendo soluções que resolvam dores reais de um grupo ou da população em geral. Nesta reportagem, daremos visibilidade às pessoas negras que lideram empresas disruptivas e que estão fazendo a diferença no ecossistema de inovação brasileiro.

A voz e a vez deles

Cairê Moreira Rosário, CEO da Genyz, é um jovem talentoso e obstinado. Ele está desenvolvendo uma plataforma Atelier 4.0, metodologia de escaneamento corporal e design tridimensional para empresas de moda. A ferramenta em construção é fruto de cinco anos de estudos e integração entre soluções em diversas áreas como engenharia, games, animações, têxtil e confecção. No entanto, o maior desafio até aqui tem sido tirar o projeto do papel com praticamente nenhum investimento externo.

No Brasil, os empresários negros têm o seu pedido de crédito negado três vezes mais do que os brancos. O dado é da Small Business Administration (SBA), agência do governo dos Estados Unidos que oferece serviços semelhantes ao Sebrae. Para Cairê, mais do que discutir as dificuldades do empreendedor negro, é importante dar destaque para os negócios que estão fazendo a diferença no país e no mundo: “Estamos “escondidos? de uma certa forma, mesmo criando coisas incríveis e inovações reais. Dar destaque a projetos de fundadores negros na mídia, por exemplo, é uma maneira de se tornar referência para muitos jovens iniciantes. Ter em quem se inspirar é motivacional”, explica.

Já para Tiago Santos, CEO da fintech Huzky, o empreendedorismo em startups é um espaço onde as condições do ambiente são mais igualitárias: a dificuldade é igual pra todo mundo. “Pra mim, a diferença fundamental para o grau de dificuldade em se ter um negro médico, juiz, ou diretor de uma empresa é a acessibilidade. Ter formação básica educacional é o que você precisa. No mais, o desenvolvimento seu como empreendedor depende muito da sua própria atitude, tempo dedicado, livros lidos, mãos “sujas? no trabalho, na prática, no dia a dia”, diz.

Foi pensando em acessibilidade e inclusão que Diogo Bezerra, junto de um amigo, criou a 4Way – uma escola social que visa dar acesso ao ensino de inglês de qualidade a jovens da periferia. De acordo com um levantamento de 2018 feito pela British Council, apenas 5% da população brasileira sabe se comunicar em inglês – e, destes, apenas 1% apresenta algum grau de fluência.

Para Diogo, além do inglês, o empreendedorismo deveria ser uma prática em todas as escolas públicas junto do apoio de organizações dispostas a trazer suas metodologias aos jovens das escolas. “O maior desafio pra mim foi empreender, pois não tinha nenhuma referência de sucesso em minha família. Não éramos especialistas no que fazíamos e por isso tivemos muitos desafios em montar os processos e toda a estrutura do nosso negócio”, lembra.

Outro empreendedor que trabalha com propósito gerando impacto na comunidade é Fábio de Moraes. Ele é CEO da Favelar – empresa que desenvolve projetos de arquitetura e reformas de baixa complexidade com soluções criativas e sustentáveis. Para Fábio, os desafios se elevam ao quadrado quando se é negro, porque o racismo é estrutural e estruturante, onde somente 10% da população negra ocupa cargos de liderança nas empresas.

Na opinião dele, a empresa que não abrir portas para a diversidade está fadada ao fracasso. “Estamos ocupando nosso espaço, empreendendo em diversos setores e fortalecendo nosso próprio ecossistema. Hoje temos empresas pretas que promovem a diversidade e inclusão racial nas organizações. Vejo ações como estas capazes de melhorar o ecossistema, dando acesso para que mais negros ocupem cargos de liderança nas startups ou em grandes empresas”, avalia.

Embora se fale muito em meritocracia, o ecossistema empreendedor do Brasil é predominantemente embranquecido. Iniciativas para mudar essa barreira tem sido de extrema importância para que outros negros tenham acesso ao ecossistema de inovação e tecnologia, como a BlackRocks, Vale do Dendê, Movimento Black Money e AfroBusiness.

E as mulheres empreendedoras negras?

Mulheres negras também lideram startups – e não só startups! A paulistana Maitê Lourenço é um exemplo. Ela é quem está à frente da BlackRocks , uma aceleradora dedicada a promover executivos e empreendedores negros. Maitê explica que a BlackRocks está criando um ecossistema que estimula o empreendedorismo tecnológico e promove o crescimento econômico à população negra brasileira. “Temos que reconhecer o potencial do povo brasileiro, do homem e da mulher negra. Que futuro queremos? Temos como missão aumentar a diversidade racial no empreendedorismo brasileiro, gerando oportunidades de desenvolvimento, conexão para transformação e trazendo mais inovação para o ecossistema”, explica.

Um dos cases da BlackRocks é a Inquímica, uma startup que alia pesquisa bioquímica, tecnologia e qualidade, promovendo benefícios à saúde dos consumidores, assim como alia inovação e empreendedorismo no campo da pesquisa. A empresa criou o InAgro, que é uma solução eficaz e eficiente que retira até 85% de metais pesados de verduras, legumes e frutas. Um produto solúvel em água, acessível e que rapidamente promove maior possibilidade de consumo de alimentos, retirando agroquímicos, defensivos agrícolas, problemas com solo contaminado e fertilizantes químicos que são prejudiciais a nossa saúde.

A fundadora Taynara Alves é CEO, cientista e a idealizadora do projeto. Ela afirma que é muito importante para o verdadeiro crescimento do país olharmos para a diversidade com um olhar mais crítico. “A diversidade não se trata de termos um ou dois empreendedores, profissionais, negros de sucesso, e isso ser uma referência. No contexto geral, temos unidades, e não uma comunidade. Atualmente, o “Impacto Social? está em pauta principal no universo das startups. Impactar socialmente também é olhar para a diversidade verdadeiramente”, avalia.

Para a empresária Rhayssa Mendonça, CEO da BravoMob, ser mulher, negra e CEO é como o voo de um avião – é ir contra o vento e aprender bem rápido que não se pode colocar medos e dúvidas na frente de gestão e risco. “É sempre se planejar para alavancagem e não importa se os resultados estão bons ou ruins, é não descansar quando tudo está indo bem, nem se desesperar quando os problemas vierem, mas sim alcançar a linha de equilíbrio”, desabafa.

No começo da empreitada do novo negócio, só pelo fato dela ter a pele escura, as pessoas achavam que ela tinha a obrigação de fazer um orçamento barato. Algumas pessoas ficavam desacreditadas quando ela dizia que era CEO de uma empresa de tecnologia. No ano passado, Rhayssa esteve no TechCrunch Startup Battlefield (pela primeira vez no Brasil) e conversou com muitos CEOs, investidores e um fundador de uma startup unicórnio. “Eu pude perceber que o ecossistema está de alguma maneira mais acessível para quem está trabalhando com inovação, e que todos sofrem sendo empreendedores no Brasil”, disse.

Não é o que pensa Priscila Gama, CEO da Malalai. Ela faz parte do grupo She?s Tech, que reúne mulheres em tecnologia e segundo ela sempre são relatados casos de assédio e preconceitos nos ambientes de trabalho. “O que percebo é a incansável tentativa de fazer com que você, em algum momento, escorregue. Perguntas maldosas, interrupções que desestabilizam e deboches”, lamenta. As mulheres chamam este mercado de porta de vidro, porém para as mulheres negras, é um muro de vidro. “A porta você ainda tem chance de abrir. Mas o muro tem que ser demolido mesmo. É só observar as estatísticas de investimento em startups: 10% para mulheres e abaixo de 1% para mulheres negras”, explica.

Demolindo muros

Edson Mackeenzy, especialista em inovação e eleito melhor mentor do Brasil pelo Startup Awards, é otimista e acha que as diferenças estão diminuindo. “Estamos longe do ideal, porque o profissional negro ainda precisa ter um esforço maior para se posicionar e conquistar seu lugar no mercado, mas ao mesmo tempo pra ele isso não é um problema, porque já está em sua essência essa vontade de vencer. Acredito que o pior nisso tudo são as pessoas que deixam de abrir as portas por puro preconceito e ignorância. Todo bom profissional deveria ser recebido com os mesmos direitos, sem distinção de cor de pele”, enfatizou.

Para Pedro Ramos, sócio do Baptista Luz Advogados e conselheiro da Associação Brasileira de Startups, os empreendedores começam a questionar o modelo de crescimento exponencial das startups, e um dos principais motivos é que o sistema acaba encorajando fundadores com situação financeira familiar mais estável e, logo, com maior apetite a risco, o que desencoraja grupos com menor renda econômica. “A boa notícia é que cada vez mais surgem modelos alternativos de crescimento e, do lado de investidores, há um reconhecimento maior que times mais diversos conseguem gerar melhores resultados, o que têm levado vários fundos de investimento a focarem em grupos subrepresentados”, explicou.

Felipe Matos, autor do livro “10 mil startups”, destaca que os negros ainda são minoria em espaços de poder e em postos mais qualificados do mercado de trabalho, incluindo nos setores e tecnologia e nas startups. Por outro lado, nos últimos anos, vem crescendo o número de ações afirmativas que qualificam e apoiam empreendimentos formados por minorias, como mulheres, negros, pessoas oriundas e comunidades de baixa renda e LGBTs. “Graças a esses movimentos, temos visto um número maior de startups protagonizadas por esses grupos. É bom ver esse movimento acontecendo cada vez mais e mostrando que capacidade empreendedora não tem cor, gênero, nem classe social e que basta oportunidade para que os resultados apareçam”, disse.

Está claro que o racismo, o preconceito e o sexismo ainda existem no Brasil e até mesmo em ambientes inovadores e mais inclusivos. Há muito a ser feito para diminuir as disparidades sociais, raciais e econômicas. Felizmente existem projetos que têm incentivado o empreendedorismo negro e gerado impacto por todo país, assim como a BlackRocks.

Conheça abaixo outras incríveis iniciativas:

Projetos de incentivo ao empreendedorismo negro

Afrobusiness

O principal objetivo da Afrobusiness é promover a capacitação e integração entre empreendedores e profissionais liberais, bem como a promoção de seminários, palestras e estudos relacionados à inserção social e econômica da população negra no Brasil. Fernanda Ribeiro, fundadora da Afrobusiness, vê que o trabalho da Afrobusiness proporciona transformação e oportunidade para empreendedores negros. “É muito gratificante acompanhar a evolução dos empreendedores, principalmente a financeira em meio ao cenário desestimulante, pois o racismo e suas perversidades são extremamente limitadores em diversos aspectos. Queremos cada vez mais por meio das conexões e do acesso ao crédito gerar transformação social e diminuir a mortalidade dos pequenos negócios. Este ano estamos investindo nossas energias em capacitações alinhadas aos desafios do empreendedor, programas de mentoria e educação financeira, consultorias e parcerias estratégicas com grandes empresas”, disse.

Vale do Dendê

A Vale do Dendê é uma organização não-governamental (ONG) que tem como objetivo criar uma plataforma de atração de investimentos sociais e econômicos para a revitalização da periferia e do centro de Salvador, restaurando espaços públicos e privados, formando mão de obra qualificada e criando um novo branding para a cidade. A proposta visa transformar Salvador em uma referência nacional de economia criativa e inovação. “Nosso objetivo é fomentar o ecossistema de economia criativa e inovação de Salvador por meio do Escritório do Vale do Dendê. Nesse contexto, começamos oferecendo assessoria técnica para criação e desenvolvimento de cadeias de valor, como foco na equidade social dos empreendedores negros”, diz Rosenildo Ferreira, um dos fundadores da aceleradora.

Movimento Black Money

O Movimento Black Money tem como objetivo otimizar o desenvolvimento do ecossistema afroempreendedor. Com foco em comunicação, networking, educação e mídias, a organização produz conteúdos nas áreas de inovação, tecnologia e finanças; além de ofertar cursos de curta duração nas áreas de marketing, gestão e tecnologia. A fundadora do Movimento Black Money, Nina Silva, é reconhecida como uma dos 50 profissionais de tecnologia mais influenciadoras do Brasil e uma das 100 pessoas afrodescendentes mais influentes do mundo abaixo de 40 anos.

BlackRocks

BlackRocks é uma organização que está criando um ecossistema que estimula o empreendedorismo tecnológico, inovador e promove o crescimento econômico à população negra brasileira. Criando desta forma um ciclo de ações que promovem o acesso à população negra desde o conhecimento de metodologias, incentivo ao empreendedorismo de impacto e visibilidade de seus negócios, promovendo a democratização do acesso, enriquecendo o ecossistema e dando oportunidade para que haja o crescimento econômico de pessoas negras. Realizam ações de mentorias, capacitações de ideação, programa de aceleração, festival de inovação, hackathon, intermediação de negócios, entre outras ações.

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