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REVISTA SUPERVAREJO: A era da experiência

A edição de maio de 2018 da revista SuperVarejo traz uma entrevista com Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva e especialista em comportamento e pesquisa.

Formado em Publicidade pela FAAP, Meirelles tem como objetivo entender o comportamento da nova classe média, das classes C, D e E, mercados emergentes e a nova formação das classes AB.

Professor honorário do IBMEC, o presidente do Instituto Locomotiva falou sobre o novo consumidor pós-crise, o poder de consumo do público com mais de 50 anos, as possibilidades de um outsider na eleição presidencial e a importância dos varejistas se importarem com a qualidade dos seus produtos.

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Leia o texto na íntegra abaixo:

A era da experiência

por Renata Perobelli fotos Moacyr Neto

– O que um empresário precisa fazer para atrair cada vez mais o consumidor?

Vamos entender qual é o momento que o Brasil vive hoje. A gente começa a ter os primeiros sinais de retomada na economia, o consumidor quer voltar a ter uma experiência de compra no supermercado que seja de prazer e acolhimento, não de sofrimento.

Isso porque, durante todos esses anos de crise, ir a um supermercado deixou de ser uma fonte de prazer, uma maneira de tangibilizar a melhora na qualidade de vida. A realidade nua e crua estava lá, era onde o consumidor lembrava que a coisa não estava fácil. O salário acabava na metade do mês por conta da recessão.

– Agora, o cliente já pode colocar no carrinho o que deixou na gôndola por conta da crise e do desemprego?

Exatamente, ele lembrava que o carrinho costumava vir cheio antes e, nos últimos tempos, já não vinha mais. Antes da crise, ele podia agradar ao filho e, na recessão, passou a não levá-lo mais ao supermercado. Então, nesse momento de retomada, o consumidor quer voltar a ter experiências de prazer como tinha antes, em um passado recente. Lembrando que, para isso, precisa ter um ambiente acolhedor, preços competitivos e encontrar nos supermercados marcas que remetam aos momentos de fartura. Esse é um momento de grandes chances para as marcas líderes se reapresentarem aos consumidores com novos diferenciais de produtos e inovação. Na prática, o que a gente vê muito por aí é um varejo com medo de oferecer essas inovações para os consumidores, com receio de o estoque não girar.

– A compra por impulso se dá mais no mercado eletrônico ou na loja física?

Indiferente, a compra por impulso se dá no momento em que o cliente é estimulado, seja no físico, seja no virtual. Óbvio que, no início do mês, com o pagamento na conta, ceder às tentações ou cliques é algo que ocorre de maneira bem mais fluida. O multicanal não é mais um fato, é uma realidade. Então, enxergar a loja online como concorrente é pedir para perder. A loja online só é concorrente quando o cliente procura apenas o preço. Mas no e-commerce não existe pechincha, teste ou toque no produto.

– Dá para traçar, a médio prazo, em quanto tempo teremos uma participação maior do e-commerce nas compras habituais, rotineiras?

O que a gente vê é o e-commerce como um caminho sem volta, que se manifesta nas compras online nas próprias redes de supermercados, bem como o e-commerce via aplicativos, em que a pessoa contrata empresas ou serviços que fazem essa compra na loja física e levam o produto até ela. Esse é um movimento que cresce bastante também; então, o cliente na verdade não está comprando no e-commerce do estabelecimento e, sim, de um aplicativo que disponibiliza pessoas para irem ao seu supermercado preferido.

– Segundo o Instituto Locomotiva, os brasileiros acima de 50 anos consomem mais que todas as mulheres no Brasil, mais que os millennials e a classe C também. Como rentabilizar essa massa exigente?

Vamos entender: o perfil de consumidor que ama as lojas físicas e dispõe de mais tempo para o processo de compra é esse. No Brasil, há 54 milhões de pessoas com mais de 50 anos com renda de R$ 1,600 trilhão. Se, de um lado, ele está muito mais exigente com relação à experiência de compra e qualidade de produto, por outro, é quem mais enxerga a ida ao supermercado como algo cotidiano, um hábito. E, dessa rotina, ele não quer abrir mão. O outro fator é que a renda média desse grupo é muito maior do que a renda da classe C e é também superior à renda média das mulheres e dos millennials. E digo mais, apenas 6% dos brasileiros com mais de 50 anos se identificam com as propagandas de TV. É preciso investir em qualificação de mão de obra e publicidade adequada para levar esse cliente às lojas.

– Esse público vive conectado?

Por mais que cresça a digitalização, só 22% das pessoas nessa faixa de idade acessam a internet. Relacionando à pergunta já feita, a compra online é bem mais forte entre os millennials do que entre os cinquentões e demais gerações seniores. Por outro lado, os mais velhos são os que realmente consomem com dinheiro no bolso e cartão de crédito na carteira. Essa parcela de consumidores tem demanda por qualidade no atendimento, por serviço, lojas bem organizadas, muito maior que a garotada da geração Y. Quanto pior for o atendimento, maior a dificuldade de conseguir agradar a esse consumidor com mais de 50 anos de idade, que quer atenção. Agora, o supermercado é autosserviço, a questão é como aperfeiçoar a experiência.

– Quando diz que pessoas com 50 anos ou mais são importantes em poder de compra, como fica o número expressivo de aposentados com baixa renda?

Por serem aposentados, têm maior facilidade de crédito, com juros baixos, como é o caso do crédito consignado. Além disso, não correm o risco de ficarem desempregados. Com tempo livre, permanecem nas lojas sem pressa, com disponibilidade para a experiência. A venda, para eles, deve ser nesse ritmo, não no ritmo que se pauta pela ansiedade de atender ao próximo freguês. Em compensação, eles compram produtos mais caros.

– No Instituto Locomotiva, vocês adotam o V.O.C.E. – Vá Onde o Consumidor Está – como uma premissa. Como inovar e ganhar terreno no segmento dos supermercados?

Não tenho dúvida alguma de que é entendendo a realidade do consumidor no entorno das lojas. Vale investir em pesquisas etnográficas, em que os pesquisadores vão junto com os executivos das empresas entender como é que se dá todo o ciclo de processo de compra e de utilização dos produtos que estão sendo oferecidos. Fazemos isso no Locomotiva, no processo que começa na casa do consumidor, depois o acompanhamos às compras no supermercado. Em casa, observamos a utilização do produto. Torna-se fundamental enxergar como o consumidor compara o preço e a qualidade entre os artigos que adquire em vários pontos de venda diferentes.

– Os especialistas acreditam que, dentro de 10 anos, iremos viver em um mundo hiperconectado, de alta velocidade. Como os supermercados vão se posicionar nesse processo?

A gente já vê um crescimento expressivo na utilização de aplicativos de compras no supermercado de autosserviço. No Brasil, esse tipo de negócio ainda é incipiente. Acho que demora pelo menos uma década para crescer ao ponto de interferir na relação direta do supermercado com o seu consumidor final, mas esse é um movimento que veio para ficar. Especializar-se em alguns tipos de produtos, como perecíveis e sustentáveis, é outra saída. Para os produtos de FLV, é sempre um risco a utilização de intermediários para o processo de compra.

– Pensando em orgânicos e no mercado vegano, vale o investimento, dependendo da loja?

Não tenho dúvida nenhuma a respeito disso, a busca por saudabilidade já é uma realidade no mercado brasileiro. Os próprios órgãos regulatórios já debatem legislações para reduzir ainda mais a quantidade de sal e açúcar nas bebidas e nos alimentos. O próprio consumidor tende a valorizar o nicho de lifestyle e abre-se aqui uma oportunidade para as redes de varejo e supermercadistas, não apenas para terem espaços dedicados a esse tipo de produto, mas também mostrarem tutoriais, cartazes, explicações do que é um produto saudável aos seus clientes. As empresas que conseguirem fazer isso tendem a fidelizar mais o consumidor do século 21. Creio que um dos maiores erros que se pode cometer é achar que as novas tecnologias são concorrentes do autosserviço. Se o varejo online fosse um grande concorrente do varejo físico, não haveria redes como Amazon procurando abrir lojas físicas. Acho que o que a gente passa a viver é a era da experiência; as empresas que conseguirem se conectar melhor com esses novos consumidores têm muito mais chances de darem certo.

– Empresários e consumidores vão aderir a meios de pagamento via smartphones?

Acho que esse é um movimento que demora um tempo para se consolidar, pois é preciso mudar o hábito desses consumidores. Mas devemos aderir às novas tecnologias. Hoje, o smartphone é quase uma extensão do corpo humano para pessoas com menos de 35 anos, o mesmo que um par de óculos para alguém com miopia, como eu. Então, tudo que puder ser feito via smartphone tende a ganhar mercado.

– O mercadinho do seu José tem que estar nas mídias sociais? Também deve dar autonomia para que funcionários façam como no Magazine Luiza, onde eles têm o poder de criação nas mídias?

Qualquer varejo tem que estar nas redes sociais. Elas são o mecanismo mais rápido e fácil de ter uma comunicação direta com o cliente. Antigamente, você esperava o cliente chegar ao seu supermercado para falar com ele; depois disso, a comunicação passou a ser feita via tabloide e o veículo passou a ser distribuído em torno dos supermercados. Hoje, essas pessoas todas estão nas redes sociais, no Facebook. Então, ter um supermercado, oferecer promoções exclusivas para quem acompanha as redes sociais desse pequeno varejista é um mecanismo fundamental para aumentar as vendas. Aliás, é o que possibilita que esse pequeno varejo tenha condições de competir com as grandes redes. Com relação à segunda pergunta, não tenho dúvida nenhuma de que, para as grandes redes, ter um responsável pela loja para poder administrar uma rede daquelas, o entorno da loja, é um segredo de sucesso que já foi comprovado pelo Magazine Luiza. Uma coisa são as grandes decisões da marca, outra coisa são as pequenas decisões das compras cotidianas do entorno. Quem melhor conhece essa realidade é o gerente daquela loja.

– Como encantar um shopper?

Em primeiro lugar, mostrando-se aberto a ouvi-lo. Toda vez que um empresário escuta esse consumidor e também faz perguntas, o cliente sente que a loja está se importando com ele. E é óbvio que ele tende a preferir uma loja que o escute a um supermercado que nem sabe que ele existe. A outra questão importante é saber, ter mix de produtos que dialogue com os diferentes momentos que esse cliente tem ao longo do mês, como quando está com mais grana e com maior disposição de desembolso. Em outro momento, ele pode estar com menos dinheiro e precisa ter produtos mais baratos. Acertar no portfólio é fundamental para que essa experiência de compra seja exitosa. E, por fim, tem que saber o que ofertar. Os consumidores funcionam pelo que a gente chama de marcas-símbolo, que são as marcas sinalizadoras de preço, das quais o consumidor sabe o preço no centavo. Fazer oferta nos produtos certos melhora a imagem de preço da loja como um todo. Não adianta fazer oferta de preço para aquele produto que já é baratinho. O consumidor quer ofertas de marcas líderes.

– Como crescer nesse segmento tão competitivo, com margens estreitíssimas?

A história do varejo supermercadista brasileiro é rica em exemplos de comerciantes que criaram pequenas marcas, venderam suas redes de supermercados para as grandes e as pequenas redes regionais. Voltaram depois da quarentena, fizeram novas redes e venderam de novo. O maior segredo é não perder a barriga no balcão e estar comprometido de forma clara e direta com duas coisas: primeiro e mais importante, o relacionamento com seu cliente. E segundo, a estrutura do negócio. Margem é tudo para o varejo e isso só se consegue estabelecendo uma sintonia fina com o consumidor, evitando o desperdício de preço.

– Há 20 anos nesse ramo, o que mudou do começo do Data Favela, Data Popular para cá?

O consumidor se modifica constantemente e só nos cabe acompanhar, com novas metodologias de pesquisa e uma análise integrada de dados com diversas fontes. Hoje, o consumidor faz muito mais pesquisa de preço, é muito mais rigoroso com relação à qualidade dos produtos que compra e não topa pagar mais por um produto inferior. É preciso entender essa transição. Essa é a primeira mudança que tem a ver com o perfil do consumidor. O que mudou no nosso trabalho é enxergar que apenas olhar para o bolso do consumidor não é suficiente para analisar seu comportamento. E que todas as informações têm pouco valor se não há integração nem diálogo com o desenvolvimento de negócios nas empresas. Diante desse cenário, recebemos cada vez mais trabalhos em que os supermercadistas não querem saber apenas o que está acontecendo com o consumidor, querem entender como essas informações interferem no negócio dele. E é isso o que temos feito.

– A composição da família brasileira deve mudar muito em 20 anos. Qual será o retrato desse consumidor no varejo, no supermercado?

Vivemos um processo de amadurecimento muito grande da população brasileira, com um número cada vez maior de pessoas morando sozinhas, calculo algo em torno de 10 milhões de cidadãos nessa situação. Isso muda muito os hábitos de compra nos supermercados, o modo de uso dos produtos. Há uma demanda por embalagens menores e por produtos que ofereçam praticidade. Isso de um lado. De outro, há o envelhecimento da população brasileira, que gera esse mercado da longevidade que não para de crescer e que movimenta R$ 1,600 trilhão. Há, ainda, um movimento pequeno, mas crescente, de divisão das tarefas domésticas, em que o homem passa, gradativamente, a ocupar uma responsabilidade maior nas tarefas domésticas e nas compras de supermercados. Surge aí um player importante no processo de compra.

– Fala-se, hoje, no surgimento de um novo sistema de economia baseado na partilha e na colaboração. Como o supermercado pode tirar proveito disso?

Em especial, pensando em ofertas em grupo que podem ser compartilhadas por pessoas nas redes, investindo em tecnologia, CRM para customizar ofertas de acordo com o perfil individual de cada cliente, mas, sem dúvida nenhuma, promovendo também descontos progressivos relacionados à oferta. Algumas grandes redes já praticam essas promoções com abatimento sobre um segundo, terceiro ou quarto produto levado pelo consumidor. Fica a sensação de economia com ganho de escala ao compartilhar as compras, movimento que antes era exclusivo do atacarejo e que começa a estar presente nos supermercados e hipermercados.

– No viés da economia colaborativa e sustentável, algumas redes que vendem bens duráveis, como celular, já compram o usado como entrada para o novo. Esse movimento tende a crescer?

No caso dos bens duráveis, isso é mais fácil de acontecer. Só que eles ainda representam uma parcela pequena no consumo dos supermercadistas. O que a gente vê como movimento são as campanhas de recicláveis, que podem virar desconto para a próxima compra do consumidor. E, do outro lado, o exercício das embalagens retornáveis. Assim, o comerciante passa a ter uma compra maior no setor de bebidas, por exemplo, em que a pessoa leva o vasilhame, troca pelo novo e paga apenas pelo líquido.

– O Observatório do Estudante é um braço do Instituto Locomotiva. O que eles pensam sobre supermercados e varejo?

O Observatório do Estudante mapeia 2 milhões de estudantes do Brasil inteiro, 24 horas por dia, com o objetivo de captar as mínimas mudanças de tendências, tanto com os estudantes que começaram a sair de casa para estudar em outra cidade quanto com as mães de família que fazem jornada tripla. O primeiro grupo descobre o que são as compras de supermercados. Aí, ele faz as duas coisas: compra na internet e vai à loja, isso mais na classe A. No segundo, nos vemos diante do estudante universitário das classes C e D com um outro fenômeno: 1,2 milhão de mães de família fazendo faculdade, que é outro tipo de consumo, são mães que trabalham, mães que estudam e que, ao mesmo tempo, são as responsáveis pelas compras da casa. Então, é um movimento bastante interessante entre os universitários. Quando se olha para um colégio de periferia, constatamos que muitos que contribuem para a renda da casa interferem nos hábitos de escolha de compra. As bandeiras de supermercados, as marcas que conseguirem conquistar o consumidor nesse momento de vida são as que terão o mercado futuro com maior chance de prosperar nos próximos anos.

– O brasileiro de 2018 viu que corrupção dá cadeia, inclusive para graúdo. Isso tem algum impacto no consumo?

Isso muda muita coisa para os brasileiros. O que a gente vê, a única coisa que cresceu durante a crise foi o poder dos consumidores. Esse cliente sai da crise muito mais empoderado, sabendo que a corrupção dá cadeia e que, se ele reclamar daquela loja em uma rede social ou site, também vai colher resultados. Tudo isso faz com que o consumidor, de um lado, seja mais exigente. Do outro lado, faz com que ele pense duas vezes antes de comprar no varejo informal.

– Essa deve ser uma das eleições presidenciais mais difíceis dos últimos tempos?

Com certeza, a política tradicional está morrendo, mas fazem de tudo para não enterrá-la. A questão é a seguinte: a população anseia por mudanças, mas não vê oferta disso. Chega de político analógico! Vivemos na era digital em todos os Poderes. É isso que o povo quer! Assim, um outsider tem muito espaço e pode até mesmo ganhar a eleição para o Palácio do Planalto.

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