A pesquisa Locomotiva sobre os desbancarizados é capa da revista Exame de outubro. São 45 milhões de brasileiros sem conta em banco que, movimentando R$ 817 bilhões por ano, chamam a atenção de bancos, fintechs e varejistas. Leia a reportagem na íntegra clicando aqui.
A seguir, uma prévia do texto que também já está nas bancas:
O Brasil dos sem-banco
A guinada na carreira administrador paulistano Guei tiro Genso é símbolo de uma transformação em curso no mercado financeiro brasileiro. Durante mais de 30 anos, ele trabalhou no Banco do Brasil, onde entrou estagiário e saiu vice-presidente de varejo no final de 2018. Desde julho, Genso é presidente da fintech PicPay. Trocou uma equipe de 100.000 funcionários e 5.000 agências por um time de 800 jovens de camiseta e bermuda. Trocou, sobretudo, de público-alvo. Seu trabalho não é mais oferecer produtos e serviços a um contingente de 69 milhões de clientes. E criar inovações digitais para atrair sobretudo quem está fora dos bancos.
Criado em 2012 no Espírito Santo pelo empreendedor Diogo Roberte, o PicPay é um aplicativo que permite pagar boletos, transferir dinheiro, fazer recarga de bilhete de transporte e utilizar saldo em mais de 1,4 milhão de estabelecimentos. A fintech, que recentemente mudou a sede para São Paulo, tem 12 milhões de usuários cerca de 90% desse público, majoritariamente jovens de 18 a 34 anos, possui conta em banco. O próximo objetivo é mirar os sem-conta bancária. Para isso, o PicPay vem até patrocinando peneiras de futebol e marca presença em locais como a favela de Heliópolis, uma das maiores de São Paulo. “Vimos muitos moradores esperando l hora na fila da lotérica, sob o sol. Eles precisam de soluções”, diz Genso.
Ao mirar os sem-conta em banco, o PicPay ataca um mercado enorme e historicamente ignorado pelas instituições. No mundo todo, 1,7 bilhão de pessoas estão excluídas do sistema financeiro. Segundo a última versão do Global Findex Database, levantamento feito pelo Banco Mundial a cada três anos, 69% dos adultos do mundo tinham conta em instituições financeiras em 2017. Em 2014, eram pouco mais de 50%. O Brasil está na liderança na América Latina, mas atrás de seus parceiros nos Brics Índia, China e Rússia. De acordo com o relatório, 70% da população brasileira com mais de 15 anos tinha conta em 2017. Na pesquisa anterior, a parcela era de 68%.
No total, o Brasil tem 45 milhões de não incluídos no sistema bancário, segundo uma pesquisa do Instituto Locomotiva. Eles movimentam 820 bilhões de reais por ano fora dos bancos — é praticamente o produto interno bruto de Portugal (218 bilhões de dólares). Sete em cada dez sem-conta bancária no Brasil declaram ser negros ou pardos e apenas 6% cursaram o ensino superior.
Eles estão habituados a receber os pagamentos em dinheiro, a negociar descontos, a comprar fiado e, quando necessário, a usar cartão de crédito de amigos e parentes. É uma enorme fatia da população brasileira que historicamente vê os bancos como lugares inacessíveis. Seis em cada dez deles não têm intenção de abrir conta, e metade não confia nas instituições. Para eles, o dinheiro escasso é mais facilmente controlado com notas e moedas. “Os bancos e as fintechs vão precisar mostrar a essa fatia da população que o dinheiro pode render mais do que se ficar guardado em casa”, diz Renato Meirelles, fundador do Locomotiva.
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Na corrida pelos sem-banco, confiança é a palavra-chave. Por isso, o PicPay quer fazer parcerias com varejistas conhecidos nas comunidades, onde as pessoas podem “inserir” dinheiro em suas carteiras eletrônicas. Para expandir o número de clientes, o aplicativo devolve até 40% do dinheiro gasto em alguns estabelecimentos. Uma nova ação começará em outubro, quando os usuários poderão sacar o saldo acumulado no aplicativo em caixas eletrônicos da rede Banco 24 horas, sem pagar taxas. Empresas com pontos de contato físico com os consumidores têm vantagens competitivas, segundo os especialistas consultados por EXAME.
“As pessoas querem, no limite, ter um lugar para reclamar”, diz Meirelles, do Locomotiva. Nesse contexto, os varejistas saem na frente. Nos últimos meses, as principais redes de comércio lançaram carteiras digitais, evoluções dos antigos cartões das financeiras que permitiam compras em suas lojas. Elas têm enormes bases de clientes, e boa parte deles de fato está fora do mercado bancário tradicional.